Muitas pessoas já viram cenas na televisão, em filmes, seriados e novelas, de pessoas acamadas no hospital recebendo um ou mais comprimidos de uma enfermeira e um pequeno copinho descartável contendo água para que eles sejam tomados. Será que isso está correto? Como iremos ver ao longo deste texto, na verdade não está! Para fazer com que o medicamento atinja nosso estômago e passe por todo o trato digestivo é necessário, pelo menos, 200 mL de líquido. Isso facilita a deglutição e o escoamento do comprimido pelo longo caminho da boca até o início do estômago. Essa quantidade de água facilita, também, a dissolução do mesmo no estômago. Entretanto, não só um determinado volume de água é suficiente, outras medidas também devem ser tomadas na hora de tomar o seu remédio. Vejamos:
Da boca até o inicio do estômago, o comprimido percorre aproximadamente 30 cm de um canal conhecido como esôfago. Esse canal é formado por tecido muscular, revestido internamente por uma mucosa (tecido que se apresenta úmido - semelhante ao revestimento interno da boca). O esôgado apresenta, também, dois orifícios (esfíncteres) que controlam sua abertura e fechamento. É por esse canal que tudo o que ingerimos pela boca percorre até chegar no estômago, esses dois orifícios controlam seu fluxo evitando, por exemplo, a regurgitação (retorno do fluxo no sentido estômago-boca) do que comemos.
Se um comprimido apresentar dificuldades para percorrer o esôfago e acabar ficando preso na mucosa, a substância ativa presente no medicamento irá se dissolver em sua parede e, dependendo das propriedades dessa substância, ela produzirá reações variadas que vão de uma simples ardência, passando por queimação, até a formação de úlceras e estreitamento desse canal. A esofagite induzida por drogas, como esse fenômeno é conhecido, vem sendo descrita há muitos anos e hoje se conhece várias substâncias com potencial de causar dano à essa mucosa, como o alendronato de sódio. Em grande parte dos casos, a lesão surge durante o primeiro mês de uso contínuo do medicamento com ingestão inadequada e ela se localiza na parte mais próxima do estômago. Um simples exame endoscópico é o mais indicado para avaliar o comprometimento do esôfago e determinar a extensão do dano causado.
Não somente o alendronato de sódio, medicamento utilizado no tratamento da osteoporose em mulheres pós-menopausa, é responsável por causar essa lesão. Existem outras substâncias que também exigem maior atenção ao ingerir seus comprimidos. Comprimidos de tetraciclina, vitamina C e sulfato ferroso quando em contato com a mucosa do esôfago produzem soluções ácidas, com intensidade semelhante a do estômago, provocando queimaduras na mucosa do esôfago, que não é resistente a essas soluções. Comprimidos de alendronato de sódio e fenitoína, quando em contato com a mucosa do esôfago, formam soluções básicas, também, não suportadas pela musoca esofágica. Teofilina, doxiciclina, alprenolol e antiinflamatórios não esteroides (Ácido Acetilsalicílico, por exemplo) são medicamentos que também irritam a mucosa desse canal, mas de maneira distinta, eles podem provocar o refluxo do líquido estomacal até o esôfago ou se dissolver e aumentar a concentração da substância ativa na região das células da mucosa esofágica atacando-nas de modo tóxico.
Conhecendo o risco que certos comprimidos podem causar, podemos estabelecer medidas para evitar que essas reações aconteçam, fazendo com que os comprimidos passem diretamente pelo esôfago e cheguem, rapidamente, ao estomâgo.
- Cada comprimido deve ser ingerido com, no mínimo, 200 ml de água, isso representa um copo tradicional completamente cheio.
- Os pacientes precisam, necessariamente, manter-se com o pescoço e tronco eretos, mas isso não significa que eles precisam ficar de pé. Sentados, mantendo o tronco e pescoço na posição vertical já é suficiente. Eles precisam permanecer nessa posição durante 20 a 30 minutos, ou seja, eles não podem se deitar logo após tomarem seus comprimidos.
- Pacientes totalmente acamados que estão em repouso absoluto ou já apresentam alguma lesão no esôfago devem evitar tomar esses tipos de medicamentos. Certamente, outra via de administração (por exemplo, endovenosa) será avaliada pelo médico para continuar a administração da medicação.
Essas recomendações valem, também, para cápsulas que contenham essas substâncias, porque do mesmo modo que os comprimidos, elas podem ficar retidas no esôfago e provocar a esofagite.
Esses simples passos reduzem, significativamente, a possibilidade do medicamento ficar retido e causar alguma lesão no esôfago, entretanto não elimina, completamente, a possibilidade de ocorrer a lesão. O médico deve estar atento a esse controle, suspendendo ou modificando a medicação que possa ser ofensiva para seus pacientes. Nunca interrompa o uso do seu medicamento sem autorização do seu médico!
Referências:
- Kikendall JW. Pill esophagitis. J Clin Gastroenterol. v.28, 1999.
- Castell DO. “Pill esophagitis” - The case of alendronate. N Engl J Med. v 335, 1996.
- Fernandes, P.A. et al. Esofagite ulcerativa associada ao uso de alendronato de sódio: achados histopatológicos e endoscópicos. Arq. Gastroenterol. v.39(3), 2002.
- Duques, P. et al. Ulceração de anastomose esôfago-entérica causada por alendronato. Arq. Gastroenterol. v.38(2), 2001.
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